O Processo de Desenvolvimento e Aprendizagem no Humano Frente às Disontogêneses Sócias.
Por: Rogério Fernando Silva.
Considerando um dos conceitos da psicologia sócio-histórica em que Vygotsky enfatiza que o homem transforma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial da constituição da natureza humana, esses dois meios sociais do qual o sujeito está inserido são importantes na contribuição desse processo de desenvolvimento e aprendizagem e desenvolvimento que parte do desenvolvimento filogenético, para o desenvolvimento ontogenético e o desenvolvimento da sociogenêse do sujeito e a microgenêse.
A filogênese está relacionada com o curso de todo o desenvolvimento humano próprio da espécie, (Marangoni et al 2012) refere que na compreensão da filogênese, a transformação que o homem provocou no meio externo proporcionou a sua constituição interna, num processo dialético, ou seja o homem ao construir as suas ferramentas de trabalho se constitui como um ser social, desenvolvendo as funções nervosas superiores, tipicamente humanas.
A ontogênese está relacionada com o desenvolvimento individual de cada individuo, em que a influência dos fatores sociais será de máxima importância para esse desenvolvimento (Glozman 2014) considera que, em cada estágio do desenvolvimento ontogenético, a criança experimenta um impacto social vindo tanto dos adultos quanto dos objetos de atividades. Ao se comunicar-se com uma criança, o adulto a ensina como usar as coisas, o significado social de ações com objetos, e este é um estímulo poderoso para a formação e para o desenvolvimento das funções mentais na criança.
Quando falamos de funções mentais, estamos nos referindo ao desenvolvimento das funções mentais elementares que são de origem biológica e estão presentes nos humanos, e estão relacionadas a ações de comportamentos reflexos e sofrem influencias do meio, e das funções mentais superiores ou funções nervosas superiores: atenção, memória, fala, linguagem, funções motoras, percepção, orientação, pensamento, entre outros, que são propriedades dos humanos e se desenvolvem conforme as influências sociais, conforme o meio no qual o sujeito está inserido.
Glozman (2014) enfatiza que frente ao desenvolvimento das crianças com relação a ontogêneses, influências de fatores sociais bastante frequente são os casos de sintomas de disontogêneses em crianças sem qualquer patologia cerebral (ainda mínima), sem sinais de desenvolvimento prejudicado ou atípico das FMS (Funções Mentais Superiores), mas que se encontram em situações de conflitos familiares ou escolares.
Esses conflitos familiares e escolares da vida social das crianças se caracterizam nas mais variadas causas e formas, levando o sujeito psicológico em desenvolvimento ao não desenvolvimento adequado das FMS devido a sofrimentos psíquicos causados por frustrações, desestruturação familiar, agressões físicas e psicológicas, falta de interação social, mediação dos pais e educadores escolares, troca de escola ou salas de aula, entre outras.
A sociogenêse está relacionada com o desenvolvimento da história cultural, seria um segundo plano, no qual se busca compreender a imersão do sujeito num mundo cultural. Os fatores sociais da sociogênese asseguram a complexidade e a singularidade da consciência e do pensamento humano (Glozman, 2014).
A microgênese é fenômeno mais focado; gênese de algo pequeno; “micro” porque não se refere à espécie, nem à cultura. Devemos, portanto considerar que qualquer fenômeno psicológico tem história tem gênese; assim devemos considerar conforme citado em uma palestra pela psicóloga e estudiosa da psicologia sócio-histórica Marta Kohl de Oliveira em 2012, “que qualquer história do sujeito singular (não a ontogênese, porque esta é universal). Trata-se de um percurso absolutamente único. A microgênese quebra com a possibilidade de uma interpretação biologicamente determinista”.
Segundo a etiologia, a disontogênese pode ser dividida em disontogênese de natureza biológica, que está relacionada às aberrações cromossômicas, comprometimentos cerebrais hereditários – estado estável de patologia cerebral; comprometimentos pré-natais; problemas perinatais e desenvolvimento comprometido: lesões cerebrais, tumores, hidrocefalia progressiva, doenças somáticas ou neurológicas severas na primeira infância (Glozman 2014).
Não iremos nos aprofundar sobre esse tipo de disontogênese, devido estarmos interessados em focar nos casos de disontogênese social, enfatizando que, voltar o olhar profissional para uma é tão importante quanto voltar o olhar profissional para a outra.
A segunda classificação etiológica da disontogênese é a disontogênese de natureza social, que está relacionada com:
- Negligência educacional (falta de atenção dos pais ao desenvolvimento verbal e motor da criança no tempo certo – por exemplo, falta de uma boa interação verbal com a criança, ausência de fase do engatinhar, algumas vezes induzidas pelos próprios pais, na tentativa de prevenir traumas ou infecções no bebê).
- Aberrações educacionais – ensino prematuro de atividades de escrita ou leitura fluente ou atividades físicas (esporte) que não correspondem ao nível de desenvolvimento psicofisiológico da criança.
- Privação cultural ou emocional (particularmente em crianças de escolas internas ou orfanatos).
- Problemas de comunicação na família (mãe dominante e exigente, frieza emocional que chegue à rejeição da criança, pais superprotetores e com alto nível de ansiedade (Glozman, 2014).
Leontiev (2010) Considera que o lugar ocupado pela criança no interior das relações sociais em cada período de seu desenvolvimento é um elemento fundamental para compreender o desenvolvimento psíquico na ontogênese. O período da infância em que se inicia a vida escolar é o momento em que a realidade fica mais clara. A criança assimila o mundo objetivamente e reproduz as ações humanas. Ela reconhece sua independência com relação às pessoas que a cercam diretamente, levando em conta as exigências desse contexto, em relação ao seu comportamento e dos sujeitos que a cercam, pois isso será determinante para suas relações intimas com aqueles que estão no mesmo contexto sócio-cultural, assim não somente suas ações são dependentes dessas relações, mas também as questões afetivas que estão relacionadas.
O desenvolvimento psíquico não é uma e simples réplica das influências educativas a que uma criança está sujeita, não é uma simples acumulação quantitativa estratificada daquilo que a criança adquire nos diferentes atos da atividade escolar ou de outro gênero. Há uma seleção, uma transformação interna, uma reorganização, uma amálgama, uma interação, em consequência do que uma característica pode desaparecer quando aparece e se desenvolve outra. Este processo é determinado durante toda a vida da criança pela sociedade, que, com sua influência, inibe ou extingue um sistema de conexões, faz surgir outro e consolida-o, e assim sucessivamente (Kostiuk, 2012).
Portanto o cérebro no que se refere ao processo de aprendizagem, e aos processos cognitivos está em constante interação com o meio que o influência, transformando suas estruturas e mecanismos de ação, possibilitando ao sujeito em desenvolvimento, internalizar o que lhe é transmitido pelo meio em que está inserido (Oliveira, 1992).
O cérebro é um sistema aberto, e possui grande plasticidade, sua estrutura e modos de funcionamento são ao longo do tempo moldados ao longo da história do desenvolvimento individual do sujeito. Assim as diversas possibilidades existentes nas realizações humanas, tal plasticidade é fundamental, pois, o cérebro pode se adaptar a novas funções no decorrer da história do indivíduo (Oliveira, 1992).
Bock (2001) enfatiza que, a criança internalizará e reproduzirá a cultura que se apresenta no meio familiar, é importante frisar o poder de influência que a família e um adulto têm sobre a criança, pois a criança depende deles para a sobrevivência física e psíquica, assim como das ligações afetivas que se estabelecem com seus cuidadores.
A psicologia histórico-cultural, pensa o trajeto do desenvolvimento da criança, construído socialmente pelo desenvolvimento de atividades desenvolvidas pelos seres humanos, que vão se concretizando como possibilidades para todos da espécie. O desenvolvimento da linguagem, da escrita, da contagem entre outras conquistas dos seres humanos não devem ser pensados como naturais, mas sim como algo conquistado, e que foram integrados em sua existência e nas possibilidades cognitivas. Portanto, se o sujeito em desenvolvimento não tiver acesso a determinadas “estimulações”, e a “treinamentos”, core-se o risco de não apresentar todas as características conquistada pela humanidade (Bock, 2009).
(Rogério Fernando Silva CRP: 06/117703 - Psicólogo especialista em neuropsicologia, formado pela Universidade Nove de Julho, em psicologia com ênfase em processos educativoas; pós graduado em Neuropsicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação - IPAF - Lev Vygotsky); Pós graduado em Docência para o Ensino Superior pela Faculdade Futura.
Referências Bibliográficas
Bock, A.M.B, Furtado O, Teixeira M.L.T. A Família...o que está acontecendo com ela? In: Psicologias: Uma Introdução ao Estudo de Psicologia. 13ª ed. São Paulo: Saraiva; 2001. p. 251-262.
Bock, A.M.B, Gonçalves MGM, Furtado O. Fundamentos Teóricos da Psicologia Sócio-Histórica - A Psicologia Sócio Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In: Psicologia Sócio-Histórica: Uma Perspectiva Crítica em Psicologia. 4ª ed. São Paulo: Cortez; 2009. p. 15-36
Glozman, J. A Prática Neuropsicológica Fundamenta em Luria e Vygotsky: Avaliação, Habilitação e Reabilitação na Infância. In: Características Psicofisiológicas do Desenvolvimento Mental de Crianças. In: Fatores Sociais na Ontogênese. tradução: Carla Anauate; revisão: Larissa Zeggio Perez Figueiredo, Francisco Paulino Dubiela. São Paulo: Ed. Memnon, 214. p. 8-49.
Kostiuk, G.S. Alguns Aspectos da Relação Recíproca entre Educação e Desenvolvimento da Personalidade. In: Leontiev, A et al. Frias, R. E (Trad.) In: Psicologia e Pedagogia: Bases Psicológicas da Aprendizagem e do Desenvolvimento. 4ª ed. São Paulo: Centauro; 2012. p. 43-62.
Marangoni, S, Ramiro, V.C. A Gênese das Funções Nervosas Superiores no Cérebro e o Desenvolvimento da Personalidade. In: O Conceito de Desenvolvimento das Funções Nervosas Superiores Histórico Cultural e Social. In: Fundamentos da Neuropsicologia Clínica Sócio-Histórica: A Compreensão do Desenvolvimento Cognitivo e Sócio-Emocional do Humano. 1ª. ed. São Paulo: IPAF editora, 2012. p. 17- 40.
Oliveira, M.K, La Taille I, Dantas H. Vygotsky e o Processo de Formação de Conceitos. In: Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão. 3ª ed. São Paulo: Samus; 1992. p. 23 -34.
OliveIra, M.K, Rupturas e Continuidades no Desenvolvimento Humano. “acessado em”:30/10/2016.disponível em”: https://corpoocidente.wordpress.com/2012/08/26/resumo-palestra-marta-kohl-e-link-com-historia-do-corpo-no-ocidente/
Leontiev, A.N. Uma Contribuição à Teoria do Desenvolvimento da Psique Infantil. In: Vygotsky, L.S, Luria, A.R & Leontiev, A.N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. 9ª ed. São Paulo: Ícone, 2010. p. 59-60.